O licor da imortalidade Jean-Paul Bourre
Nas neves do Tibete e de Bouthan, nas cavernas do monte Kallasha – onde ainda hoje vivem devotos do deus Shiva – velhos monges-férus da magia negra preparam uma original bebida a que chamam «licor da imortalidade» Estes ascetas fazem horríveis experiências para se tomarem imortais. Eles não vivem à luz, nem no esplendor dos ascetas da Índia; basta vê-los nas aldeias de Cachemira ou em Bouthan
As caras deles, são autênticas máscaras da morte, «olhos flamejantes», e as vozes são cavernosas, como -que vindas do fundo de um terrífico abismo (dizem-no os guias da montanha). As portas fecham-se à sua passagem. Certos turistas vindos de Kallasha comentam as suas monstruosas técnicas de atuação.
Dizem que em algumas grutas se encontra a cave dos rituais, onde sobressai a meio uma mesa de pedra retangular. O tampo da mesa está cheio de vários e largos orifícios. Para alguns esotéricos, esta mesa mágica é dedicada ao deus da montanha mas não servirá somente para honrar os demônios subterrâneos. Ela é também uma mesa de oferendas e transformação.
Todas as descrições feitas pelos que voltavam das cavernas do Himalaias permitem imaginar a cena: o sumo-sacerdote Bom[2][32], assim que entra na cave mágica, deixa cair as suas roupas e aparece nu, esquelético. Pega numa colher de forma redonda mas com um cabo muito comprido e mergulha-a num dos tais buracos existentes no tampo. Extrai de lá algo com que esfrega várias partes do corpo, friccionando-se e recitando salmos ao deus dos mortos.
«Esta é a verdadeira bebida da imortalidade», diz ele. «A vitalidade dos homens novos e robustos está dissolvida aqui. Ela seria mortal caso não se tratasse de um iniciado, para o qual se tornará uma fonte de inesgotável energia. Desta forma, o mais graduado suplantará os deuses...»
O feiticeiro leva a colher à boca e engole o líquido. Em certas aldeias do Himalaia conta-se que a mesa é oca. No interior, os Bons colocam homens que eles escolhem para o sacrifício, que, deixando-se morrer de fome começam lentamente a decompor-se. Os cadáveres nunca são removidos dali. De vez em quando, um monge junta àqueles um homem vivo. O líquido resultante das carnes putrefatas será a bebida da imortalidade, o suco da morte, por assim dizer, pois que alguns monges morrem envenenados. Encontram-se os corpos deles ao fundo das grutas, e a superstição local considera-os vampiros, «não mortos», rakshasas.
Os rakshasas são os vampiros da magia indiana. São cruéis e ferozes. Acusam-nos de tudo devorar, queimar e ferver.» Os longos caninos fazem lembrar vampiros...»
A sete mil metros de altitude eleva-se o monte Kallasha onde o gelo forma como que uma cúpula que protege cavernas e templos subterrâneos, onde os eremitas se entregam ao culto dos mortos. Estes adeptos das trevas vêm errar pela noite, à volta do lago Râkshastal, o «lago das forças hostis».
Espalham cinzas por todo o corpo, descoloram os cabelos com cal e vão rezar para os locais de cremação. A maior parte, depois de ter bebido o «licor da imortalidade», não teme o envenenamento. Eles estão ali a cumprir um rito mais velho que a própria humanidade, dedicado ao deus Shiva sob a forma de Rudra, o Uivador.
«A partir da ocasião em que os deuses e titãs criaram o mundo, pela agitação do oceano cósmico saiu o néctar, mas também o veneno. O veneno ficou bloqueado na garganta do deus, que se tornou azul. Por esta razão, chamam a Shiva o deus do pescoço azul ‘Nilakanta’.»
Shiva é Nishichâra – o errante noturno – porque tem a cabeça cortada e pendura no pescoço colares de caveiras. Aqueles que professam estes cultos utilizam cinzas das fogueiras funerárias para construir, para fabricar «um novo corpo», um corpo que seja incorruptível, e entrarem assim vivos no reino dos «não mortos».
Shiva, sob o seu aspecto terrífico (Bhaivara) de uivador (Rudra), dá indicações quanto ao estado do Universo no seu movimento e transformação. Os praticantes da magia negra fizeram dele o deus dos mortos e dos cultos do mal. O homem julga e mede segundo as suas crenças pessoais, os seus medos e o seu tipo de consciência. Justifica as práticas diabólicas a partir de textos sagrados, tal como o de Bhâgavata-Purâna, no qual se diz:
Como um demente, Shiva erra pelos horríveis cemitérios rodeados de fantasmas e espíritos malignos. Nu, com os cabelos em desordem, ri, Chora, cobre-se de cinzas e usa como ínuco ornamento um colar de caveiras de ossadas humanas. Pretende ser um bom agouro, mas é um mau agouro! Louco e adorado por loucos, reina entre os espíritos que habitam as trevas. Que este dito soberano, o último dos deuses, não possa jamais nem uma parte das oferendas advindas dos sacrifícios.
(IV. Capítulos 2 e 7)
Os desvios mágicos da Índia fizeram do «Senhor do Yoga» um mestre dos vampiros e dos «não mortos», sem compreender que a morte – no Shivaísmo – não existe. «Morre-se um milhar de vezes por dia», dizem os ascetas. Este rápido movimento mata e ressuscita, destrói e salva o universo. Rudra o uivador amedronta o homem que tem medo de morrer. No além, ele reina e resplandece em todos os mundos visíveis e invisíveis. «Ele é a Porta de Ouro dos santos mistérios», revelam os seus devotos.
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